Saída é processo de paz que produza acordo político bilateralmente aceitável.
Algumas vozes têm ocupado espaço nesta Folha e discutido o conflito israelo-palestino, procurando deslegitimar a própria existência em si do Estado de Israel. Essas manifestações fazem lembrar o conto “Emma Zunz”, de Jorge Luis Borges.
Publicado no livro “O Aleph”, relata a história de uma moça discreta e reservada, a mesma Emma do título, que ao saber da morte do pai resolve fazer justiça com as próprias mãos. O tom e a preocupação são verdadeiros, assim como o é o ódio. Só eram falsas as circunstâncias, a hora e um ou dois nomes próprios.
Ao mencionar Israel, afirmam: “Estado racista colonial!”. Este é o refrão. Soa forte, não é? Termos que comunicam através do ódio e constroem muros bem altos parecem estar em voga. Israel pretende ser um lar nacional para o povo judeu (Estado sionista), assim como os vários outros Estados nacionais que se organizaram a partir de um pleito nacional. Afinal, qual Estado-nação não é uma construção, algo que não é dado a priori, mas sim conquistado através de pleitos, políticas, lutas e reivindicações —e principalmente por comunidades que se veem como nação com direito a um território?
A escolha por começar a contar essa história a partir de 1948, e não 10 a.C. ou qualquer outra data, é o que legitima falsamente a ideia de Israel como país “colonial”, como gritam os jargões. Se escolhermos contar essa história por outras narrativas, chegaríamos também aos judeus como povos originários.
Um português ao vir para o Brasil em 1500 não encontra em nossas terras destroços de sua cultura ou civilização. Já os judeus (alguns nunca saíram do território que hoje se configura como Israel e Palestina), ao chegarem, encontraram lá referências próprias de sua memória, cultura e ancestralidade, como um muro que remonta ao próprio templo ou pergaminhos inscritos em sua língua pátria, o hebraico. Podemos comparar tal situação ao que se chama de “colonial”?
Portanto, é preciso saber que as narrativas de tempo neste conflito também são produções de verdades, mas que ignoram e apagam muitas vezes a história judaica, por um lado, e a história dos árabes-palestinos, por outro —e, ao mesmo tempo, desresponsabiliza Inglaterra e França, estas sim agentes coloniais deste território até 1948.
Em síntese, o Estado de Israel representa o reconhecimento internacional da autodeterminação judaica, após séculos de dispersão e perseguição.
Esse direito não justifica defender abusos e arbitrariedades praticadas pelo Estado de Israel, os quais remontam à sua fundação, em 1948.
Desde então, palestinos estão vivendo longe de suas terras, em exílio permanente nos países vizinhos ou confinados em Gaza e trechos cada vez menores da Cisjordânia, uma situação que se acirra a partir de 1967 e que os assentamentos israelenses aprofundam de forma trágica e inaceitável.
As demandas palestinas e da comunidade internacional pelo fim das ocupações, assim como o desejo, também dos israelenses, de viver em liberdade e com segurança, e a perda de todas as vidas envolvidas neste ciclo de violência, tornam urgente a resolução do conflito.
Mas quem é contra a existência do Estado de Israel, como se tem ouvido aqui e acolá, e que se alinha ao brado do Hamas de “Palestina do rio ao mar”, precisa explicar então o que sugere fazer com os milhões de judeus que habitam a região. Pois, por lógica dedutiva, só haveria duas opções: expulsão ou eliminação.
Precisamos iniciar um novo processo de paz que produza um acordo político bilateralmente aceitável e garanta aos palestinos autodeterminação e cidadania plena, com liberdade, independência e viabilidade econômica. Isso não se dará, entretanto, às custas da destruição do Estado de Israel e de um genocídio contra o povo judeu, como propõe o Hamas, mas sim a partir de duas entidades políticas convivendo lado a lado. A partir daí, podemos olhar para o passado e discutir a natureza desejada para esses Estados e as reparações justas e necessárias às partes.