A notícia de que o general Walter Braga Netto conspirou para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mais do que causar espanto e indignação, é uma fotografia do mal que o bolsonarismo causou ao Brasil.
Não, não foi uma mera tentativa de golpe que o país sofreu. O Brasil sofreu um golpe propriamente dito. As instituições sofreram um golpe. Por quatro anos, Jair Bolsonaro e seus seguidores golpearam as instituições, o Judiciário, o Ministério Público, a advocacia, as urnas. Não é que o país quase sofreu um golpe. O golpe existiu. Só não foi consumado.
As sequelas do assalto são evidentes. O mal que causou ao Judiciário é inegável. O STF não escolheu ser o protagonista de tantos inquéritos e processos criminais. Não falta trabalho aos ministros da Suprema Corte. Pelo contrário, estão atolados até o pescoço com uma enxurrada de casos que chegam todos os anos ao tribunal.
Não foi uma escolha, ou um capricho. Está cada vez mais claro que se a corte não tivesse assumido o protagonismo dessas investigações, provavelmente não teríamos mais Supremo Tribunal Federal. O bolsonarismo obrigou o STF a se dobrar. Não lhe foi dada opção. Está aí um golpe que os bolsonaristas podem se orgulhar de terem conseguido dar. Enfraqueceram o Judiciário.
Sim, pois é evidente que, para se defender e fazer a defesa das instituições, o Supremo precisou testar o limite da sua atuação —e obviamente à custa de um enorme desgaste perante a sociedade. Essa vitória pode ser computada no saldo bolsonarista.
Esse movimento que nasceu saudosista da ditadura militar, nostálgico do AI-5 e avesso às liberdades incorporadas pela Constituição Federal de 1988, que considera excessivas, defendeu sempre todo poder às polícias e menos direitos aos réus no processo penal. Agora, como num passe de mágica, passou a invocar respeito estrito à legalidade penal, penas baixas, direito penal mínimo, ampla defesa, devido processo legal e até respeito aos direitos humanos, em uma inversão de agenda que só tem uma explicação: “pimenta no olho dos outros é refresco”.
Mas não só. Ao mesmo tempo em que defende seus próprios interesses, procura minar a credibilidade da Suprema Corte. Ou seja, a queda de braço com o STF após as condenações do 8 de janeiro é uma forma de protrair o seu crime no tempo, persistindo no desiderato de corroer as instituições. Quiseram colocar o Supremo entre a cruz e a espada. E conseguiram. Só não contaram que o Supremo poderia escolher a espada, e com a espada os crimes desta horda golpista estão sendo desmascarados dia após dia.
Se tivesse escolhido a cruz, o STF estaria hoje pregado nela em praça pública, para regozijo da turba ensandecida. A competência inusual da corte para julgar os atos golpistas foi uma criação jurisprudencial, como diversas outras questões no direito brasileiro. O fato é que a competência se revelou necessária. Se o Congresso Nacional quiser dar uma contribuição à democracia, em vez de anistia, deveria transformar a competência em regra legal.
Afinal, o julgamento de atos tão graves que atentam contra a existência das instituições não pode ficar à mercê da primeira instância ou de tribunais regionais. Se a competência nasceu de uma anomalia política que tornou inevitável a atuação da Suprema Corte, a experiência mostrou, por outro lado, que errado estava o ordenamento jurídico brasileiro de não atribuir desde logo esse poder ao STF.
Entre erros e acertos, uma coisa ninguém pode negar: o STF vem cumprindo à risca a missão de proteger a Constituição Federal.