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Crime da moda cujos protagonistas não são deliquentes

Por Fábio Tofic Simantob. Conjur

Volta e meia a sociedade brasileira vive um modismo penal. Já foi moda falar em penas mais duras para falsificação de remédios, redundando num crime que prevê uma das penas mais altas do Código Penal; houve épocas em que se popularizaram propostas de endurecimento de penas para melhor punir algumas modalidades de roubo, como o sequestro relâmpago, em outros momentos houve clamor popular por penas mais duras ora para o tráfico, ora para a corrupção, ora para os crimes financeiros e, assim como estes, diversos outros exemplos poderiam ser citados.

O crime da moda agora é a embriaguez ao volante. Não que referida conduta não precise ser combatida e ter a atenção do Direito Penal, mas é como se num passe de mágica, com uma mudança milagrosa da lei penal, fosse possível extirpar dos trópicos este mal que ameaça a sociedade brasileira. Ledo engano.

É muito desalentador perceber como a sociedade brasileira gera os problemas e depois não consegue se livrar deles senão com a canetada legislativa, prevendo penas duras para situações que ajudou a criar. As trágicas mortes recentes no trânsito das grandes cidades não é moda; moda é falar destes acontecimentos como se fossem crimes hediondos. Os protagonistas desses eventos, pelo menos os que viraram notícia, são na maioria jovens de bem, saídos das classes média e alta, mas não delinquentes que saem de suas casas vestidos para matar, ou como querem alguns, colocando-se propositadamente em situações que põem em risco a vida dos outros. Encontrar um protótipo de jovem e identificá-lo como a raiz de todos os nossos males parece uma via bem simples e fácil, mas certamente não é a que melhor serve à solução do problema.

Paremos para pensar um pouco sobre a sociedade que construímos nos últimos anos, sobretudo nas grandes cidades brasileiras. A vida nesses grandes centros resume-se à conjugação de alguns fatores, como expansão demográfica, boom imobiliário selvagem sem qualquer tipo de planejamento urbanístico, distanciando cada vez mais as residências dos centros de serviço, como bares e restaurantes, varridos do mapa em segundos para darem lugar a novos empreendimentos; um tráfego extremamente agressivo, suficiente para matar de enfarte ou adoecer por estresse qualquer motorista contumaz; incentivo total à indústria automobilística em detrimento dos investimentos necessários nos meios de transporte público; espaço dedicado ao pedestre cada vez mais precário, tudo para que mais automóveis possam ser colocados em circulação (a tragédia da Rua Natingui é um ótimo exemplo); aumento dos serviços de segurança privada em oposição a uma política de segurança pública cada vez mais desacreditada e, por fim, uma cultura do alcoolismo, incentivada todos os dias pela grande mídia, algo que tem feito da nossa sociedade uma das mais alcoolizadas do mundo.

O atropelamento ou a colisão é o estopim, é a gota d`água, o desfecho natural determinado por fatores sociológicos e não apenas individuais, embora crucificar este ou aquele motorista específico ajude a esconder debaixo do tapete questões muito mais sérias e intrincadas, impossíveis de se resolver do dia para a noite como exige o apelo popular.

Disto se depreende uma característica muito marcante do sistema neo-liberal brasileiro, que gosta de se ufanar de conseguir desenvolvimento econômico à custa de uma mínima intervenção estatal, mas que não hesita em pedir socorro à forma mais invasiva de intervenção do Estado na vida do indivíduo — a prisão — quando a sociedade por si só dá mostras de não ter conseguido organizar-se de modo a garantir uma qualidade de vida digna para os seus cidadãos. Esse paradoxo está impresso em quase todas as sociedades neo-liberais: quanto menor a intervenção do Estado na vida das pessoas e na economia de um modo geral, maior é a utilização do Direito Penal como aparador de arestas deixadas pela dita sociedade livre.

Podemos aumentar a pena da embriaguez ao volante, mas dificilmente os jovens deixarão de beber antes de pegar o carro. O pior é que a maioria, jovens ou não, fará isto sem colocar em risco a vida dos outros, mas provavelmente será penalizada pelos erros dos que realmente expõem a perigo a integridade física de terceiros. Quanto aos problemas crônicos que afligem nossa cidade todos os dias, com ou sem o álcool, quanto a isto, tudo permanecerá do jeito que está, seguindo a máxima lampedusiana, de que as coisas precisam mudar para que tudo permaneça do mesmo jeito.