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Quarentena eleitoral para juiz protege Judiciário

Por Fábio Tofic Simantob. Valor Econômico

Não há democracia sem um Judiciário independente, alheio às tentações políticas. Com a tramitação no Congresso do chamado novo Código Eleitoral (Projeto de Lei Complementar 112/21), o Brasil dá um passo importante na direção de concretizar essa ideia.

Pela nova regra, juízes e promotores que desejam concorrer às eleições precisariam se desvincular de suas funções quatro anos antes do pleito. O mesmo se aplicaria a policiais e militares. O projeto não inventa propriamente a regra, mas amplia o tempo de “quarentena” obrigatória entre o desligamento do servidor público e o lançamento de sua candidatura.

O estabelecimento de quarentenas para carreiras públicas é uma estratégia de fortalecimento das instituições de Estado

O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado. Caso entre em vigor, o novo Código Eleitoral será uma importante ferramenta de proteção e fortalecimento da democracia brasileira.

Nosso ordenamento jurídico já prevê regras especiais para carreiras públicas ou de grande alcance popular (caso, por exemplo, de apresentadores de rádio ou TV), visando ao equilíbrio do processo eleitoral. Pelas regras hoje vigentes, servidores do Estado precisam se desligar de suas funções, ainda que temporariamente, para disputar cargos eletivos. Em muitos casos, um período de quarentena já é exigido.

Ocorre que, quando tratamos das carreiras do Judiciário, em especial daquelas ligadas diretamente ao Direito Penal, o que está em jogo vai muito além da garantia da competitividade leal em uma eleição. Trata-se de resguardar a própria segurança jurídica do Estado democrático, o que requer, portanto, cuidados adicionais.

Um operador do Direito não pode estar sujeito à tentação de fazer proselitismo político a partir de seu cargo. Não raro, uma decisão tecnicamente correta, amparada nos autos, é também aquela que desagrada à opinião pública. A independência necessária ao trabalho de juízes e promotores decorre justamente do fato de que sua atuação está sujeita a critérios legais, não de popularidade.

Se permitirmos, no entanto, que decisões judiciais possam eventualmente catapultar carreiras políticas, estaremos contribuindo para corromper essa independência. Se permitirmos que juízes e promotores usem a caneta para atender à opinião pública, teremos ótimos juízes e promotores no Parlamento, mas não nas carreiras onde eles devem estar. Mais do que a lisura do processo eleitoral, põe-se em risco uma série de garantias constitucionais, bases de qualquer sistema democrático. A regra da quarentena para juízes, promotores e demais servidores busca justamente evitar esse risco.

Note-se ainda que o próprio exercício da magistratura, sem que consideremos qualquer violação ética ou normativa, já fere o princípio da paridade de armas em uma disputa eleitoral, dadas as potenciais repercussões das decisões emitidas pelos tribunais. A relevância social do trabalho do juiz, somada ao potencial destaque midiático que suas sentenças podem receber, cria, por definição, uma vantagem indevida no processo eleitoral.

Logo, a regra da quarentena não coloca “sob suspeita” todos os servidores indiscriminadamente, como alegam alguns críticos. Ao contrário, ela reconhece que apesar da conduta ilibada da enorme maioria dos juízes e promotores do país, há algo nas carreiras jurídicas que é essencialmente incompatível com o ambiente político e que, portanto, precisa ser resguardado pelo Código Eleitoral. Por outra, a regra existe não apenas para coibir exceções, garantindo o bom funcionamento do Poder Judiciário, mas também para impedir que os pleitos sejam marcados por competições inevitavelmente desiguais.

No mais, cumpre lembrar que o projeto em tramitação no Senado não impede o acesso dessas categorias à carreira política, apenas impõe um limite mínimo de tempo entre o abandono da toga e o lançamento da candidatura. Pode-se discutir alguns de aspectos do texto – o prazo de quatro anos, por exemplo, é tido por alguns como excessivo -, mas parece evidente que ele representa um avanço na legislação eleitoral brasileira.

Por fim, há que se comentar o contexto político em que a regra da quarentena para membros do Judiciário foi incluída no projeto de reforma do Código Eleitoral. A Operação Lava-Jato teve impacto gigantesco no cenário eleitoral brasileiro, além de ter alçado membros do Judiciário a carreiras políticas de destaque. O ex-juiz Sérgio Moro, membro mais destacado da operação, deixou a magistratura para iniciar imediatamente uma carreira política, ocupando brevemente o Ministério da Justiça do governo Jair Bolsonaro.

Além disso, elegemos em 2018 um número quatro vezes maior de policiais e militares para a Câmara e o Senado na comparação com o pleito anterior – categorias que também seriam incluídas, a princípio, na nova regra da quarentena. Não há dúvida, pois, de que o momento histórico brasileiro ajudou a determinar, ou pelo menos a acelerar, a tramitação do novo Código Eleitoral pela Câmara dos Deputados

No entanto, é incorreto supor que a regra da quarentena representa uma espécie de “revanche” de parte da classe política contra certos grupos de oposição ou candidaturas. Isso porque, caso aprovado, o novo Código Eleitoral só entrará em vigor em 2026, ou seja, daqui a duas eleições, sem qualquer impacto sobre o atual tabuleiro político.

Espera-se que os senadores retomem essas discussões e entendam que o estabelecimento de quarentenas eleitorais para certas carreiras públicas, especialmente no caso da magistratura, é uma estratégia de fortalecimento das instituições de Estado.

A caneta do juiz ou do promotor não pode jamais se transformar em ferramenta política. Proteger a independência do Poder Judiciário é proteger a própria democracia brasileira.