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A defesa do direito de defesa ontem, hoje e amanhã

Por Fábio Tofic Simantob. Jornal Folha de SP

Em 6 de julho de 2000, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) nasceu da crença de que o acesso à ampla defesa é pilar de uma sociedade que se pretenda justa e democrática. A urgência era assegurar que todos, independentemente de sua condição social, raça ou cor, tivessem acesso à defesa criminal de qualidade, num sistema judicial preocupado em respeitar os direitos constitucionais dos cidadãos.

Nossa carta de fundação foi publicada nesta Folha, um texto de ouro de Márcio Thomaz Bastos, no qual o IDDD se comprometia a promover a defesa de qualidade para todos, inclusive por meio de assistência jurídica gratuita; a trabalhar por meio do estudo de casos em busca das melhores tecnologias de defesa criminal; e, por fim, a intervir quando o direito à defesa fosse ferido ou estivesse ameaçado, em qualquer situação ou instância.

O ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos – Jonas Oliveira – 5.set.03/Folhapress
Neste quarto de século passado, o IDDD participou, só ou em parceria com outras entidades, de mudanças importantes, especialmente na jurisprudência penal e processual brasileira. No Supremo Tribunal Federal (STF), auxiliamos na construção do entendimento que veda a aplicação de regime de cumprimento de pena mais gravoso com base somente na gravidade abstrata do crime, especialmente quando a pena é aplicada no mínimo legal (Súmulas 718 e 719). Como amigos da corte, participamos da construção da nova orientação sobre porte de até 40 g de maconha, afastando a presunção de tráfico (RE 635.659).

Estamos também na origem das audiências de custódia, antes mesmo que a lei 13.964/19 as normatizasse. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), participamos da reformulação da jurisprudência que aceitava como prova suficiente à condenação reconhecimentos pessoais e fotográficos havidos em afronta ao artigo 226 do CPP (HC 598.886), caso que mostrou o viés racista da Justiça Criminal, já que, para surpresa de ninguém, são os negros que mais sofrem com condenações fundadas em reconhecimentos ilegais.

Agora, 25 anos depois, aquela carta pede atualização. Afinal, os tempos avançaram por caminhos inesperados, em que democracia, eficiência de vacinas e até a forma redonda da Terra são questionadas.

A virtualização do processo e a inteligência artificial desafiam o direito. Nesse estranho contexto, vivemos um punitivismo crescente, com a banalização de penas altas; cautelares se multiplicam e chegam a ser impostas porque o investigado, no exercício da defesa, ousou opor-se à investigação, bem como prisões preventivas artificialmente longas servem à obtenção ilícita de delações.
Nem mesmo a sustentação oral, realizada ao mesmo tempo em que se dá o julgamento, resistiu, e hoje se vê restringida.

Embora a Constituição reconheça o direito de defesa como direito fundamental e o STF já tenha afirmado que não há democracia sem que se o respeite (HC 95.009), o exercício do direito de defesa passou a ter jeito de ato ilícito.

Com isso não concordamos e continuaremos, nesses próximos 25 anos, a ser voz e braço contra o autoritarismo, a seletividade penal e o desrespeito às garantias fundamentais, por meio da defesa do direito de defesa.